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Publicado em 15 de Março de 2022

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Problemas que só um metaverso pode resolver

No dia de Natal, além da estrela de Belém, foi para os céus um engenho de alta complexidade, o James Webb Space Telescope.

Projetado e construído por um consórcio de empresas — NASA, CEA e ESA — ao longo de 10 anos e a um custo aproximado de dez bilhões de dólares — sim, dez bilhões! —, esse engenho, um telescópio, vai observar os confins do universo desde um lugar muito especial, o ponto L2 de Lagrange. Só que esse ponto é longe. Muito longe! Ele está a 1 milhão e 500 mil quilômetros da Terra! Tudo isso se transforma em uma só palavra: complexidade. E o que tudo isso tem a ver com o metaverso? Vai em frente e você vai ver...

Metaversátil

O metaverso permite uma abordagem “metaversátil” para uma série de problemas. Há alguns dias, criei esse neologismo — metaversátil. E, resgatando a definição do primeiro artigo deste tríptico, algo metaversátil descreve a possibilidade de alcançar a versatilidade por outros caminhos além daqueles usados tradicionalmente. 

Medir é algo que sempre foi feito com um instrumento de medição aplicado sobre o objeto que está sendo medido. Mas, em algumas situações, a medição não pode ser feita assim, de modo tradicional. Por exemplo: aferir a temperatura de um objeto que está muito quente, a velocidade de um objeto que anda muito rápido e a distância de alguma coisa que está tão longe que não conseguimos sequer ver. Para efetuar essas medições, surgiu uma área do conhecimento chamada telemetria, que quer dizer, literalmente, medida à distância. Surgiu apenas para medir, mas com o tempo, foi se aperfeiçoando para medir, comunicar o resultado da medição e permitir que um operador implemente uma ação para modificar o parâmetro medido. Algo bem metaversátil!

Um bom exemplo para ilustrar o uso da telemetria acontece nas corridas de Fórmula 1: os carros se movimentam a uma enorme velocidade, mas, por meio de instrumentos de medição à distância, a equipe do piloto consegue medir tudo que interessa para manter a melhor performance do veículo. E o que tudo isso tem a ver com o metaverso? 

Metaverso como instrumento de medição e controle

            Há muitos anos, a comunidade científica mundial aguardava o lançamento de um foguete que levasse ao espaço o James Webb Space Telescope — JWST, mencionado no início deste artigo. Depois de vários adiamentos, principalmente por conta da necessidade de ajustes técnicos, o lançamento finalmente aconteceu no dia 25 de dezembro. Mas o desafio estava apenas começando. Colocado dentro de um foguete Ariane e lançado ao espaço da Guiana Francesa, o JWST foi para o espaço dobrado feito um origami, como mostra a ilustração a seguir. 

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            O registro visual do JWST só foi possível até o momento em que o último estágio do propulsor se desconectou do engenho e as baterias solares se abriram. Até aí, uma câmera no foguete de lançamento transmitiu imagens do JWST. E depois? Como controlar esse engenho caro e altamente sofisticado no seu processo de montagem para se desdobrar em partes complexas que devem ter um encaixe preciso?  

Ao longo de pouco mais de trinta dias, o JWST foi caminhando em direção ao seu ponto de chegada, conhecido pelo estranho nome de ponto L2 de Lagrange. Esse ponto está a um milhão e quinhentos mil quilômetros da Terra e, durante a viagem, muitas coisas aconteceram com essa máquina primorosa que vai nos permitir observar os confins do universo. Cada modificação foi minuciosamente planejada e executada sem nenhuma visão direta do que estava acontecendo, pois o JWST simplesmente não possui câmera de auto-observação. Ainda assim, a máquina chegou ao seu destino com o formato que mostra a ilustração a seguir.

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Mas, afinal, como é possível controlar uma transformação física tão complexa e precisa sem sequer ter uma imagem do que está acontecendo? A resposta para essa pergunta é o metaverso.

Nesse caso, uma representação digital do JWST igualmente complexa e sofisticada foi desenvolvida. Esse gêmeo digital completo construído pela Raytheon e monitorado por uma telemetria milimétrica permitiu o acompanhamento, nas telas dos centros de controle da NASA na Terra, do que estava acontecendo com o JWST em seu caminho para L2. Não se viam os átomos, mas eles estavam sempre sob controle de telemetria e representados por bits em telas por todo lado.

O JWST era o avatar de si mesmo e tudo que se executava com a versão digital nas estações de controle aqui na Terra repercutia precisamente na evolução do engenho em seu caminho para o ponto definitivo.

Ainda assim, os processos desse metaverso tão especial foram executados com muita cautela e lentidão, cada um a seu tempo. Os movimentos eram conferidos até garantir que os resultados esperados haviam sido atingidos. Essa certeza, não raro, demorava dois ou mais dias. Só aí é que o próximo movimento seria planejado e executado. Tanto que o origami demorou mais de um mês para se desdobrar e estacionar no ponto definitivo. Todo o processo foi transmitido pelos canais da NASA no YouTube. 

A seguir, uma sequência de duas imagens mostrando o metaverso de uso exclusivo e de grande precisão. A primeira mostra os dados de telemetria do ajuste dos últimos 3 espelhos, aqui representados por hexágonos amarelos. 

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   A seguir, os 3 espelhos à esquerda já estão ajustados, com um perfeito encaixe aos demais, o que levou à celebração das equipes de controle na Terra.

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Caso você tenha interesse em saber mais sobre o JWST, a internet está repleta de informações sobre o projeto.

Será que o seu metaverso — pessoal ou profissional, para uso comercial ou apenas para divertimento, público ou privado — vai um dia exigir o grau de precisão dessa plataforma desenvolvida pela Raytheon? Provavelmente, não. A menos que você trabalhe na Boeing, pois é exatamente essa noção de agregação à distância de elementos materiais precisos que deverá ser usada no projeto de construção de um avião no metaverso, com um clash mínimo. 

Entendeu agora o que está por trás da notícia divulgada pela Boeing? E, a essa altura, não seria surpresa se a Boeing já estivesse conversando com a Raytheon para usar a mesma plataforma tecnológica e o mesmo conhecimento usados para “metaversar” os controles do JWST na sua jornada em rumo do L2 de Lagrange. Afinal, mecanismos de monitoração e controle em um engenho que se desloca no espaço a grande velocidade para um ponto cada vez mais distante só podem ser obtidos por meio de um metaverso. 

Nesse caso, discussões sobre chips no cérebro e outras polêmicas do gênero serão sempre menos importantes do que o que é possível fazer com precisão e agilidade. Essa é a solução metaversátil!

 

 

 


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