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Publicado em 9 de Março de 2022

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O Negócio no Metaverso

Quem trabalha com tecnologia sabe que ela entra no mundo dos negócios em ondas. E, como todas as ondas, ela vem e vai.

A onda do metaverso já andou por aqui. Prometeu muito, fez barulho, mas recuou e desapareceu. Agora volta. Pela mão de pesos pesados do mundo da tecnologia aplicada aos negócios. Será que agora decola? Melhor ficar atento para não ser surpreendido, é claro! E, para ficar atento, saiba que já estamos no segundo artigo desse assunto. Se você ainda não leu o primeiro, melhor começar por lá.            

No primeiro artigo, explicamos em detalhes de onde veio a palavra metaverso, quem foi o seu criador e como ela pode evoluir daqui para a frente. Usamos até exemplos para ilustrar o que o metaverso tem a ver com a metalinguagem e com o universo. Por isso, melhor insistir: se você não leu o primeiro artigo deste tríptico, volte lá e informe-se sobre os conceitos que, certamente, vão facilitar o seu entendimento e sustentar as suas decisões.

No artigo anterior, também falamos da tendência de substituir átomos por bits sempre que essa substituição for possível. E, quando ela for possível, o processo em que os átomos são substituídos por bits ficará mais rápido, mais barato e, sobretudo, mais controlável. Essa é uma tendência que já acontece desde o final do século XX, quando os computadores deixaram de ser instrumentos de cálculo e controle e se popularizaram como instrumentos de apoio à inovação. 

Desde então, a substituição de átomos por bits materializou-se em várias ondas. 

Algumas dessas ondas podem até ter passado por você sem que você tenha sequer notado! Porque, às vezes, a onda da substituição de átomos por bits caminha embalada em uma roupagem de marketing que usa outros nomes e faz novas promessas. Um bom exemplo para ilustrar o parágrafo anterior é a onda da Transformação Digital. Essencialmente, a Transformação Digital é a substituição de átomos por bits em todos os processos de uma empresa. Para a realização de uma transformação efetiva, não basta substituir os átomos dos papéis, objetos e outras coisas inanimadas. É preciso substituir também átomos de pessoas. É por isso que uma boa transformação digital vai alterar a força de trabalho da empresa — em quantidade e em qualidade. Meio assustador, mas bem realista. 

Por ser um pouco assustador, o processo de Transformação Digital presta-se bem a discursos elaborados de marketing e consultoria. Em muitas das propostas para a realização de projetos de Transformação Digital, a metodologia vem embalada em gráficos, modelos, fases e pilares de sustentação. A mais comum dessas embalagens fala de pilares que sustentam os seis aspectos comentados a seguir.

— Visão de negócio: qual a visão e a estratégia para alcançá-la. É considerado o pilar mais desafiador. 

— Compreensão do cliente: esse é o pilar que considera o cliente no centro da transformação digital de cada empresa. 

— Alinhamento de tecnologia: esse é o pilar que promove a seleção tecnológica adequada. 

— Pessoas: nesse pilar, avalia-se quem fica na empresa transformada e quem não será mais necessário depois da transformação. 

— Cultura: um pilar que, adequado ou não, toda empresa tem. 

— Governança: semelhante à cultura, esse pilar sempre existe.

            Mas a onda da Transformação Digital, apesar de bem volumosa, não é a única onda tecnológica que substitui átomos por bits. Coisas como Realidade Aumentada e Realidade Virtual são, de fato, soluções para virtualização de tudo que está à nossa volta. E, aqui, virtualização é uma forma de dizer que desaparece o objeto real e surge uma representação virtual desse objeto. 

Uma das mais bem-sucedidas aplicações de representações virtuais acontece na elaboração de gêmeos digitais — ou digital twins, como a definição nasceu. Gêmeos digitais é o nome que se dá a réplicas exatas de produtos em processo de fabricação ou em teste na indústria 4.0. Os gêmeos digitais quase sempre substituem os protótipos, pois permitem observar o funcionamento dos produtos antes de eles existirem no mundo real, o mundo dos átomos. E vale dizer que o custo de desenvolvimento de um gêmeo digital costuma ser bem menor do que o custo dos protótipos. Novamente, saem os átomos, entram os bits. Também novamente, essa é uma tendência muito atual. Tanto que o controle de um dos mais sofisticados experimentos da NASA, o lançamento do James Webb Space Telescope, só foi possível graças a um gêmeo digital construído pela Raytheon. E a Boeing também caminha nessa direção. Tudo isso está no próximo artigo.

            No momento da colheita da safra de previsões tecnológicas para 2022, o mínimo múltiplo comum tem um nome: metaverso! Essa onda forte tem uma origem: a mudança no nome da holding proprietária do Facebook, em outubro de 2021, de Facebook Inc. para Meta Platforms Inc. É claro que uma mudança como essa em uma empresa que detém a propriedade não só do site Facebook, mas também dos aplicativos Instagram e WhatsApp, causa um tsunami! Do tipo proteja-se ou vá surfar na onda. Principalmente porque o principal executivo do conglomerado, Mark Zuckerberg, declarou que a principal missão da Meta é atuar na expansão do metaverso, definido por ele como “(...) um conjunto de experiências digitais imersivas que envolvem realidade virtual, realidade aumentada e outras tecnologias que não se limitam às telas 2D”. 

E o que diremos agora? A mesma coisa que já dissemos algumas vezes ao longo desse texto: a Meta vai trabalhar na transformação de átomos em bits! Mas o que, de fato, é preciso fazer para alcançar essa tão pretendida substituição a ponto de despertar tanto interesse no mercado? A resposta a essa pergunta cabe em uma frase: um metaverso é construído em sua plataforma! E como todas as outras plataformas, a do metaverso também terá atributos, capacidades e limitações. Terá um design que, como todas as outras plataformas, vai agradar alguns e desagradar outros. Terá ferramentas de desenvolvimento que, como todas as outras plataformas, será apreciada por uns e odiada por outros. E como acontece com todas as outras plataformas, terá concorrentes. Tanto que, logo após a divulgação da Meta, a Microsoft anunciou o seu metaverso. Nesse comunicado, havia uma notória comparação com a proposta da Meta.

Avatar

            Essa palavra vem de longe! De fato, vem do hinduísmo e representa “o momento da descida de uma entidade sagrada à Terra, geralmente assumindo um aspecto materializado, às vezes humano, outras em forma de animal”. Essa definição remete a uma circunstância metamórfica que corresponde a uma transformação: a entidade sagrada chega e se transforma em uma representação de si mesma. É dessa sequência que a informática importa o conceito de avatar, como uma “representação de si mesmo ou de alguém, geralmente em meios virtuais, com o objetivo de se personificar, para demonstrar a autoimagem em ambientes virtuais, como é o metaverso”. Em palavras mais diretas: no metaverso, você será seu avatar. O seu avatar representará em bits o que você é em átomos.

            A possibilidade da associação biunívoca de humanos e avatares cria uma enorme proximidade entre o metaverso e o mundo dos games. Afinal, o que é um game senão a utilização de uma plataforma — Xbox, Playstation, Nintendo, etc. — onde um humano é personificado por um avatar que o representa e atua em seu nome? Essa é a razão que justifica a expectativa e a atração dos gamers sempre que a discussão envolve o metaverso. 

            Até agora, trouxemos ao seu conhecimento os componentes do metaverso que podem ser aplicados a um negócio. Agora, vamos entender como levar o metaverso ao negócio e como levar o negócio ao metaverso. Note que nem todo negócio pode ser levado ao metaverso. E, se for levado, vamos ter que entender muito bem como e para que esse movimento está sendo feito. Mas, agora, já temos todo o conhecimento necessário para essa análise.

Quem vai & como vai            

No início desse conteúdo, comentamos sobre os seis pilares que sustentam uma transformação digital. Na medida em que a utilização de metaversos acumule resultados e experiências, novos protocolos de utilização devem surgir. No momento, o que temos a apresentar são experiências baseadas em estudos de formulação e sustentação de um metaverso e dos componentes utilizados em tentativas anteriores de construção e uso do metaverso Second Life, criado pelo Linden Lab. Inaugurado em 2002 com o nome de Linden World, foi rebatizado como Second Life em 2003. Entre 2005 e 2008, atingiu grande popularidade e, em 2010, alcançou a marca de 21 milhões de contas registradas. Nessa ocasião, o Second Life mostrava- se uma plataforma promissora de metaverso que poderia sustentar atividades de entretenimento, mídia social, jogos e comércio eletrônico. O Linden Lab chegou a criar uma moeda eletrônica, o Linden Dollar. Nesse momento, empresas brasileiras interessaram-se em explorar o Second Life, levando suas marcas para o interior do mundo virtual com interesse comercial explícito. O objetivo era vender dentro do Second Life! Tive oportunidade de trabalhar na gestão técnica e estratégica de um desses projetos, que jamais foi concluído, pois, felizmente, percebemos a fragilidade dos mecanismos de segurança dedicados a apoiar e proteger as transações financeiras necessárias a um comércio eletrônico que ocorreria naquele mundo virtual. 

Mesmo assim, em 2015, a revista Vice publicou um artigo afirmando que, no ano anterior, o comércio eletrônico no Second Life chegou a faturar 60 milhões de dólares. Mas não deu muitos detalhes dessa operação. 

Em seguida, o Second Life sofreu uma deterioração de performance e de prestígio. As causas dessa queda nunca foram totalmente esclarecidas. Um dos gargalos mais estreitos na manutenção daquele metaverso era a necessidade crescente de servidores e a demanda explosiva por energia elétrica. 

Agora, o isolamento social imposto pela pandemia criou um certo movimento de revitalização da plataforma Second Life. Nessa nova vida, o Second Life sofreu alguns ajustes. Nesse retorno, existem contas gratuitas e contas pagas, com respectivas vantagens e restrições em cada modalidade. Os espaços frequentados pelos avatares podem ser classificados por nível de maturidade, o que implica a aceitação de comportamentos como violência e nudez.    

            Para entrar no mundo dos negócios dentro do metaverso, é muito recomendável responder algumas perguntas. A primeira delas já foi mencionada inúmeras vezes neste texto: no seu negócio, existem átomos que podem e devem ser transformados em bits? Se a resposta for sim, podemos seguir em frente, na direção do metaverso.

            Em seguida, é bom ver se o primeiro movimento na direção do metaverso será realizado do lado de dentro da empresa — a sua empresa! — ou pelo lado de fora, o lado do mercado. Cada um desses lados requer uma abordagem diferente para entregar resultados também diferentes. 

            A próxima questão implica uma decisão séria: qual plataforma de metaverso você prefere usar? Uma alternativa mais circunspecta ou uma versão mais lúdica? Hoje já é possível contar com a possibilidade de escolha nesse sentido. Já ouvi até opiniões do tipo “...a plataforma X tem avatares muito infantilizados enquanto a plataforma Y permite a construção de avatares mais circunspectos”. Quem diria...

A questão seguinte é mais uma recomendação do que uma pergunta. Uma recomendação aplicável não só para levar o metaverso como também para levar qualquer nova tecnologia aos negócios: trabalhe com gente que sabe a teoria e a prática da novidade! Note que, nesse caso, um bom estrategista de metaverso vai precisar conhecer a plataforma que sustenta o produto e estar muito ligado em diferentes possibilidades para a sua aplicação. Essas possibilidades vão bem além da mídia social, do comércio eletrônico e dos games. Elas alcançam a Web 3.0, as criptomoedas, os NFTs — Non Fungible Tokens — e até mesmo alternativas financeiras e comerciais mais exóticas que já andam por aí. 

Nesse caminho para levar seu negócio ao metaverso, note que, em algum momento, sua empresa vai ocupar um espaço “figital”, nome que se dá à mistura de processos físicos com processos digitais. Nem pense em recuar no meio do caminho, mas esteja preparado para a jornada. Bom planejamento é essencial nessa trajetória.

Polêmicas

É claro que vão surgir discussões e opiniões polêmicas com relação ao metaverso. De fato, algumas dessas opiniões já estão por aí. Uma delas, bem radical, vem do Elon Musk, o milionário dono da Tesla, da SpaceX, da OpenAI, da SolarCirty e da Neuralink. Todas essas empresas possuem objetivos e estratégias futurísticas, algumas já em plena operação — como a Tesla e a SpaceX — enquanto outras ainda estão ensaiando a entrada no mercado. Este é o caso da Neuralink, que ambiciona instalar chips no cérebro de seres humanos para levar ao extremo a interface homem–máquina. Segundo Musk, a conexão direta com o cérebro poderia proporcionar uma experiência imersiva mais eficaz do que o uso de óculos de realidade virtual. Considerando que esses chips conectados ao cérebro seriam produzidos por uma das empresas de Elon Musk, resta saber se a discordância a respeito do uso de máscaras de realidade virtual não seria apenas uma manobra de marketing na tentativa de promover o uso dos produtos Neuralink. 

Outra polêmica surgiu em torno do anúncio de um vídeo feito pelo Walmart, no CES2022, ocorrido entre 5 e 8 de janeiro deste ano. Nesse vídeo, aparece um cliente fazendo compras em uma loja Walmart, orientado por um avatar bem humanizado. Esse avatar interage com o cliente e até sugere um vinho para harmonizar com os ingredientes de um jantar. O vídeo foi alvo de várias críticas relacionadas com o processo de compra, mas a maior polêmica surgiu quando alguém descobriu que esse vídeo foi lançado, de fato, em 2017. Era uma prova de conceito que nunca se materializou. Nada disso foi dito no “lançamento” da CES2022.

Também no campo da polêmica, há um mês, surgiu a notícia de que “a Boeing quer construir um avião no metaverso”. Sim, isso pode ser verdade, mas, em algum momento, o avião tem de sair do metaverso e aparecer no mundo das coisas reais, na pista do aeroporto. O que, de fato, acontece em um projeto complexo, como a construção de um avião, é a necessidade de precisão de processos e o acoplamento também preciso de cálculos e estruturas projetadas por equipes diferentes, em tempo e locais também diferentes. A engenharia aeronáutica se vale de uma metodologia eficaz, mas um pouco antiga para contornar qualquer desencaixe, chamada clash analysis. O uso de um metaverso é uma promessa animadora para solucionar os problemas de “desencontro” entre componentes projetados e produzidos por equipes diferentes. Por um caminho um pouco diferente, a NASA usa uma estratégia parecida em uma plataforma desenvolvida pela Raytheon. Nesse caso, o metaverso serve para finalizar a montagem de algo que já está construído, mas trafega em alta velocidade em uma trajetória distante da Terra. Voltaremos a falar disso no próximo artigo.

Esse problema e alguns outros só podem ser resolvidos em um cenário “figital”, que corresponde à convivência do mundo físico e do mundo digital. O físico é representado em átomos e o digital é representado em bits. É para lá que, mais cedo ou mais tarde, vai o mundo dos negócios. Vai depois e além. Vai ao metaverso.

Encerramos aqui com um alerta: metaverso não tem nada a ver com multiverso. Multiverso é um conceito hipotético que se refere a todos os universos possíveis, reais e imaginários. Nas interpretações mais radicais, diz-se que há muito mais coisa além do universo observável... eventualmente, há até um outro você. Mas isso já não tem nada a ver com o metaverso e o seu negócio.



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