.

Publicado em 8 de Maio de 2025

Compartilhar:

A Integração entre Conselhos, Inteligência Artificial e Foresight Estratégico

Conselhos de Administração devem evoluir da supervisão reativa para a antecipação estratégica, frente à crescente complexidade e volatilidade dos ambientes de negócios.

Em um mundo de crescente incerteza, onde mudanças tecnológicas, climáticas, políticas e regulatórias se entrelaçam de forma acelerada e imprevisível, a atuação dos Conselhos de Administração está passando por uma transformação estrutural. A tradição de oversight – supervisão fiduciária, fiscalizatória e regulatória – ainda que necessária, não é mais suficiente. A emergência da Inteligência Artificial (IA) como um vetor de mudança organizacional e a adoção crescente de abordagens de strategic foresight impõem um novo paradigma: conselhos que aprendem, que antecipam e que deliberam estrategicamente em contextos de alta complexidade.

A atuação dos Conselhos de Administração estruturou-se historicamente em três pilares: oversight (supervisão), insight (compreensão de tendências) e foresight (antecipação de futuros plausíveis). A maioria das práticas ainda se concentra no primeiro pilar. Contudo, é cada vez mais evidente que a função de oversight, reativa, não consegue responder à dinâmica das transformações atuais. Nesse contexto, a adoção de strategic foresight – um conjunto estruturado de métodos voltados à antecipação de cenários futuros e à exploração de sinais fracos de mudança – torna-se uma competência crítica. Foresight não se trata de prever o futuro, mas de preparar a organização para futuros possíveis, ampliando a inteligência coletiva e a robustez das decisões.

A Inteligência Artificial ocupa, cada vez mais, um espaço central nas discussões de risco, eficiência e inovação. Seu impacto não se restringe à automação de tarefas ou ao aumento da produtividade. Algoritmos já tomam decisões, filtram informações, moldam experiências de clientes e interferem diretamente nas alavancas estratégicas das empresas. Para os Conselhos de Administração, isso significa lidar com uma nova dimensão de governança: a governança da IA. Essa governança deve considerar aspectos como transparência decisória e explicabilidade algorítmica, vieses, discriminação e ética computacional, segurança da informação e soberania dos dados, responsabilidade legal sobre decisões automatizadas e alinhamento à estratégia e ao propósito organizacional.

Integrar IA ao foresight significa usar máquinas para processar grandes volumes de dados, detectar padrões, simular cenários e apoiar a tomada de decisão com maior embasamento. Mais do que automatizar, trata-se de aumentar a capacidade humana de pensar futuros, analisar riscos e explorar oportunidades. As etapas do Strategic Foresight – framingscanningprospectingscenario buildingenvisioning e strategizing – permitem aos Conselhos estruturar um processo deliberativo que considere as múltiplas dimensões do ambiente de negócios (econômica, política, tecnológica, regulatória, social, ambiental), a leitura de sinais fracos, que geralmente são ignorados por vieses cognitivos ou pela inércia estratégica, a exploração de cenários não lineares, com inflexões, rupturas e trajetórias inesperadas, e a definição de opções estratégicas mais responsivas e resilientes, conectadas a diferentes horizontes temporais, como o intervalo de dois a seis anos.

Ao incorporar esses princípios, Conselhos deixam de ser apenas garantidores da conformidade e se tornam catalisadores de visão e direção estratégica. Um dos maiores desafios na atuação dos conselhos é a percepção oportuna de sinais fracos – eventos emergentes, muitas vezes fora do radar tradicional, que podem ter impactos disruptivos. A IA pode ajudar a detectar padrões não triviais, mas essa capacidade depende da qualidade da curadoria e da diversidade de perspectivas no processo deliberativo. Os principais inibidores dessa percepção incluem o excesso de ruído informacional, vieses de confirmação, falta de diversidade cognitiva nos conselhos, inércia organizacional e ausência de metodologias estruturadas de foresight.

Conselhos inteligentes combinam IA, sensibilidade humana e metodologias participativas para ampliar sua inteligência coletiva e evitar armadilhas cognitivas. A deliberação deixa de ser apenas opinativa, passando a ser informada por cenários, evidências e simulações. A integração entre IA e foresight em Conselhos de Administração se sustenta sobre três princípios de uma governança inteligente: transparência e responsabilidade algorítmica, com capacidade de compreender, questionar e supervisionar algoritmos utilizados pela organização; exploração de futuros plausíveis, com ferramentas que permitam visões ampliadas do futuro, considerando variáveis interconectadas e potenciais inflexões; e capacidade deliberativa ampliada, em que a IA apoia a análise crítica e o embasamento de decisões, sem abrir mão do julgamento humano, da ética e da sensibilidade organizacional.

Mesmo sem expertise técnica aprofundada, Conselhos podem começar a atuar sobre esse trinômio com medidas pragmáticas, como inserir foresight e IA na agenda dos comitês de estratégia e riscos; exigir relatórios de impacto da IA sobre modelos de negócio, operações e cultura; mapear riscos emergentes e disrupções setoriais com apoio de ferramentas de IA; criar espaços para discussões abertas, com diversidade de perspectivas e atores externos (open strategy); e participar de formações sobre governança de IA e metodologias de foresight aplicadas à governança.

A evolução do papel dos Conselhos não se limita à digitalização de rotinas ou ao uso de dashboards mais elaborados. Trata-se de uma mudança de mentalidade. Conselhos que integram governança, IA e foresight não apenas respondem ao futuro: eles o constroem. Governança inteligente exige sensibilidades analíticas, éticas e prospectivas. IA potencializa a visão. Foresight estrutura o pensamento de longo prazo. E o Conselho, como instância deliberativa máxima, deve estar preparado para liderar com coragem, visão e responsabilidade.


28 leituras 11 Curtidas

Sobre o Autor

Alexandre Oliveira

Conselheiro de Administração Certificado (IBGC) e membro do Institute of Directors (Reino Unido). Conselheiro de Administração no Fundo Patrimonial Patronos. Experiência como empreendedor, em posições C-Level , e no ensino para turmas de MBA (USP, Unicamp) e de Doutorado (FGV). Com experiência em estratégia e governança corporativa, riscos e compliance, transformação digital, finanças e tecnologia, tem formação multidisciplinar em instituições no Brasil, Estados Unidos, Inglaterra e França. Doutorado no uso de IA nas Decisões Corporativas (Unicamp). Conduz seu pós-doutorado em Pensamento Estratégico (Innsbruck University, Áustria) e pós-graduação em Direito Digital (EPD).

Leia Também

O Descompasso do Valor

O Descompasso do Valor

Como superar os desafios na adoção de Inteligência Artificial e alinhar soluções tecnológicas de ponta aos resultados organizacionais

28 leituras 11 Curtidas
Compartilhar:
Encontro com o Notável Leonardo Santos
Próximo Evento
12 de Maio de 2025

Encontro com o Notável Leonardo Santos

A I2AI tem o prazer de convidar seus associados para um encontro exclusivo com o notável Leonardo Santos, fundador e CEO da Semantix, uma das principais empresas brasileiras de Big